44 anos depois – Parte I

Nasci. 12 de julho também.

Ele já havia escalado altos postos. Seu país dele se orgulhava e com ele se identificava.

Usava, de inicio, simplesmente suas emoções e sua capa preta de poeta, que o ajudava a suportar o frio intenso de sua região, ora mar, ora cordilheira do sul da América. Beleza inóspita, fauna e flora adaptadas às intempéries que castigavam periodicamente o Chile.

Sim, esta era sua terra. Sua língua, seu orgulho, sua pátria, sua luta.

Ainda muito jovem, em funções diplomáticas, correu o mundo, tendo vivido em várias cidades do Oriente e Europa, bem como da América Central e do Sul. Isto forjou sua universalidade e sua humanidade, aflorando sua sensibilidade e inconformidade diante das injustiças sociais, das flagrantes desigualdades de classe, da opressão, da injustiça, da crueldade de alguns em relação a muitos. Incorporou preciosos elementos destas culturas tão diversas e opostas.

Conquistou inúmeros e fiéis amigos e companheiros na literatura e nas artes, em geral. Em especial, Federico Garcia Llorca, Paul Éluard, Pablo Picasso, André Malraux, Aragon, dentre muitos outros.

Adotou o nome de Pablo Neruda aos 16 anos, tendo já publicado poesias em periódicos sob seu nome de origem: Neftali Ricardo Reyes Basoaldo. 1904 foi o ano de seu nascimento.

Nasceu poeta, para desgosto de seu pai.

Poetizou a natureza selvagem e dura, bela e singular, habitada por homens resistentes, determinados e corajosos dessas terras vizinhas ao Polo Sul. Fragrâncias, biodiversidade, despertavam sua atenção, curiosidade e mesmo estudo. Muito se dedicou a isto. E mostrou ao mundo seu país, desconhecido do hemisfério norte e do mundo. E levantou sua bandeira e coloriu o mapa-múndi com neve e sangue das atrocidades ali perpetradas. Como, aliás, em outros longínquos países, onde todo o horror exibia sua máscara mortífera e se reproduzia. E, coerentemente, à época, abraçou o comunismo.

Amou e foi amado.

Amou as palavras, assim como eu. Apanhou-as durante o voo e as acariciou com sua prodigiosa e incansável pena. Depositou-as no papel e as eternizou indelevelmente, sofridamente. Deu-as ao mundo, não sem desfazer-se de sua pele e sua alma sensível e perspicaz. Algo tímido, na palavra escrita se sobrepujava.

Viveu guerras e revoluções na conturbada primeira metade do século XX. Posicionou-se firmemente contra os ditadores, os dominadores, e a favor do povo sofrido, onde quer que estivesse.

Quando nasci, já era sobejamente conhecido e admirado por sua bela e pungente poesia, cantada e declamada por operários, artesãos, humildes pessoas do povo, escritores, combatentes, soldados. Neste mesmo ano de 1948, tribunais de justiça de seu país ordenaram sua detenção. Escrevia, entre grades, seu portentoso “Canto General”. Liberto, já no ano seguinte, partiria para a União Soviética para as comemorações do sesquicentenário de Pushkin, ocasião em que foi nomeado membro do Conselho Mundial da Paz. Eu completava 1 ano de vida e era amada por minha família.

Sua poesia política, engajada, lhe rende inimigos e perseguidores, como sói acontecer.

Destituído de suas funções consulares algumas vezes, por posicionamentos firmes, tais fatos não o intimidam. Sua “España en el corazón”, contemporânea à Guerra Civil Espanhola, mobiliza pessoas. Inúmeras edições, traduções e publicações em muitos países, também outras obras suas percorrem este caminho.

Seu Prêmio Nobel de Literatura, para o qual foi nominado um sem número de vezes, é outorgado em 1971. Eu já tinha 2 filhos e fazia Pedagogia. No ano seguinte, entraria para a Faculdade de Medicina.

(continua…)

Helena Lucia Zydan Soria – Médica ginicologista – CRM 7488 PR.