Com quem contar?!

Demora um bom tempo para descobrirmos que, em essência, nossa travessia pelo mundo é em geral desacompanhada. O bebê apenas depois de seis meses de vida, em média, se reconhece como um ser diferente da sua mãe. Aos nove meses, começa a falar e a entender de tudo um pouco. Caminha já com um ano de idade, e começa a comer sozinho. Aos dezoito meses de vida, consegue controlar os seus esfíncteres, urina e evacua quando quer – e seu contato com o mundo externo se amplia fantasticamente. Aos quatro anos de idade, o ser humano, biologicamente, já distingue o que é seguro e o que é perigoso, e já é capaz de discernir, coletar o alimento necessário, se isso for preciso.

A família, núcleo central para o desenvolvimento e o crescimento harmônico, será durante um bom tempo a representação do mundo: o que recebermos de atenção ou desatenção de quem nos rodeia, devolveremos durante nossa vida, inclusive com a tendência de repetir o que aprendemos com nossos pais, avós e outros cuidadores. Para o bem e para o mal.

Parece simples, mas é complexo. Cada pessoa é portadora de um “valor absoluto em si mesmo”, diz a filosofia. Seguimos na vida recebendo influências diversas, de pessoas e acontecimentos, ou “desacontecimentos”. A tudo isso Sigmund Freud chamava de “inscrições”. Algo pequeno pode ser entendido como grande, ou determinante. Cada pessoa terá uma reação diferente. Criaram, alguns estudiosos, até uma fórmula para o bem-viver: 40% de genética boa, 50% de boas decisões e 10% de sorte. Mais recentemente, fala-se que a genética responde por não mais do que 20%; ou seja, é a correnteza da vida que nos leva…

A solidão pode ser vista como uma sombra que assusta nossa jornada, mas é uma das necessidades do ser humano, para que se sinta encontrado consigo mesmo, que reflita e medite, que se entenda, que se descubra, que possa, enfim, compartilhar sonhos e experiências. Para que alcancemos a paz e que tenhamos saúde, condições para a felicidade, é necessário que contemos, então, em primeiro lugar, com nós mesmos. Nos tempos líquidos em que vivemos, já não se visita mais os parentes como há alguns anos atrás, e vizinhos de muro ou de corredor sequer sabem seus nomes. Quando muito, há um cumprimento discreto quando se encontram, ou um rápido diálogo sobre o tempo…

Amigos do trabalho, podemos chamar de amigos? E, hoje, o termo moderno para os companheiros do trabalho é “colaborador”. Amigos das redes sociais, do facebook, são amigos? Às vezes, nem conhecidos. A dica, então, também vem da filosofia, sobre com quem contar, além de nós mesmos. Siga a orientação do grego Aristóteles: faça uma lista inicialmente com dez nomes de pessoas que você gostaria que acompanhasse a sua vida. E comece acompanhando a vida delas. Pela lei natural da reciprocidade, você deverá receber pelo menos um pouco de atenção. Se houver necessidade, ou tiver tempo e disposição, faça uma nova lista com mais dez nomes e acompanhe essas pessoas. O resultado será satisfatório, experimente. O ideal é que essas pessoas já façam parte de sua vida, sua família, seus amigos e companheiros de jornada. É com eles que você poderá contar, afinal.

Dr. Márcio Couto – Médico Cardiologista – CRM-PR 14933 / Membro da diretoria da AMC