Obrigado, Senhor!

Terminou o ano de 1985, eu já estava no quarto ano de medicina na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Foi um período difícil, em que morei numa república de estudantes de medicina, entre eles Hirofumi Uyeda e Celso Mitsutake, médicos, hoje trabalhando em Cascavel. Meus pais faziam o possível e o impossível para pagar a mensalidade da república. Minha mãe, uma mineira da roça, fazia crochê e jogava no bicho, sempre na esperança de ganhar para mandar o que ela conseguia.

A partir deste terceiro semestre do curso, o dinheiro foi minguando e minhas notas começaram a ficar baixas. Agora, a minha preocupação era sobreviver e não reprovar, pois queria terminar o meu curso nos seis anos normais da faculdade. A proprietária do apartamento que era nossa república solicitou à imobiliária a devolução do imóvel. Consegui alugar um quarto numa cidade a 30 Km de Curitiba. Mas numa ocasião o aluguel atrasou e fiquei para fora, na rua. Consegui pegar minha bolsa com as roupas e sapato, e outra bolsa, com os livros e cadernos. Não sabia onde iria dormir. Caminhei até minhas pernas cansarem. Minha irmã também estudava em Curitiba, morava numa república para moças, perto da Praça da Espanha. Lá, eu não podia ficar. Achei um hotel ao lado da Praça Santos Andrade, bem perto do Hospital de Clínicas, que não era caro. Paguei R$ 60,00 para dormir e tomar um café da manhã.

Prova realizada, eu não tinha para aonde ir. Fiquei naquela sala sozinho por muito tempo, pensando o que eu iria fazer, pois agora só tinha R$ 30,00 no bolso. Saí andando na cidade, com minhas bolsas de roupas e cadernos, novamente sem direção e sem destino. Pensei: “Senhor, me ajude, me dê forças, pois estou muito cansado”. Consegui, de praça em praça, andar até 1 hora da madrugada e, quando eu não aguentava mais, e apenas com R$ 30,00 no bolso, parei em um prostíbulo e perguntei quanto custava para dormir ali aquela noite. A moça da recepção me olhou e disse que custaria os R$ 30,00 que eu tinha no bolso. Estava frio, cobertor fininho. Fiquei com o blusão, presente que tinha ganhado da minha mãe, comprado num brechó de roupas usadas. Mas estava muito frio e só o blusão não era suficiente para me aquecer. Mesmo assim tentei dormir, mas não consegui. Estudei depois das 3 horas da madrugada até o dia amanhecer.

Fiz a prova de pneumologia no dia seguinte e, depois de andar a esmo, resolvi ir até o apartamento do meu ex-colega de república, hoje Dr. Hirofumi Uyeda, que morava com a irmã dele. Pedi se tinha um colchão, ele deu risada e me acolheu. Foi difícil estudar naquele domingo, pois comecei a tossir e fazer febre muito alta. Nem dei atenção, pois achei que era apenas um quadro de gripe.

Levantei na segunda-feira para fazer a prova e durante minha higiene, ao escovar os dentes, tossi, e ao escarrar, enchi a pia de sangue. Mesmo assim fui para o Hospital de Clínicas, onde seria realizada a prova. Ao chegar na sala de aula, conversei com o professor e disse que eu estava muito doente. A resposta dele foi simplesmente: “Dane-se, o problema é seu”. Fiz a prova, fui mal e reprovei, mas graças a Deus era a última prova do semestre e eu poderia voltar para a minha casa, em Cascavel, pois eram férias.

Gostaria que estas palavras ressoassem como um agradecimento ao Dr. Hirofumi Uyeda, que me acolheu da rua, e ao professor que disse que o “problema” era meu, pois ele me ensinou o que eu não queria ser na minha vida. Hoje, sou professor da faculdade de medicina e ensino empatia aos meus alunos para que tratem os seus semelhantes com amor, com delicadeza, e tenham paciência com aqueles que estão passando por alguma dificuldade.

Lísias de Araújo Tomé – Cardiologista – CRM 11878 PR