Chocolate – Parte I
Em 2020, no auge da pandemia da COVID 19 que nos assolava eu me vi muito ansioso e desenvolvi um transtorno do sono que acomete cerca de 1/3 da população mundial, a insônia inicial.
Assim, posso dizer que o principal motivo que me fez buscar o conhecimento sobre o sono é uma razão primordialmente egoísta.
De toda forma, o assunto que quero aqui abordar é um tema que leva as pessoas ao consultório, buscando uma resposta que seja de efeito rápido e resolutivo e, nem sempre, isso é possível. Trata-se da insônia infantil. Um transtorno que incide sobre a criança, mas atinge toda a família envolvida.
O Consenso de insônia publicado pela ABS nos traz que o principal acometimento de crianças que não conseguem ou têm dificuldade em iniciar e /ou consolidar seu sono é a insônia comportamental, que se subdivide em transtorno de associação, transtorno da falta de limites e uma terceira forma, mista entre os dois primeiros subtipos, além de outras causas clínicas que podem cursar com o sintoma de insônia e que merecem sua devida investigação e a hipótese de insônia comportamental deve ser considerada após descartarem-se as possibilidades de causas biológicas (gastrite, obesidade, asma, dores articulares e musculares, Transtorno do espectro autista, etc.).
Considerando-se que a principal forma de insônia infantil é a comportamental, analisando-se o subtipo de transtornos de associação, temos que a criança faz associações positivas e negativas entre os estímulos que recebe durante o dia e na hora de ir para a cama e iniciar seu sono. As associações positivas são aquelas em que a criança consegue prover para si por meios próprios (por exemplo a chupeta ou um bicho de pelúcia). Já as associações negativas envolvem uma terceira pessoa (amamentação, embalo, cantigas de ninar, TV, cama dos pais, andar de carro, etc.). Este subtipo de insônia acomete crianças principalmente dos 6 meses aos 3 anos.
O segundo subtipo, o transtorno da falta de limites, está associado ao desenvolvimento da criança e pode decorrer, na maior parte dos casos, de dois problemas de comportamento. Um relacionado aos pais ou responsáveis que podem, por exemplo, permitir que a criança determine seu horário de ir para a cama ou que o façam assistindo a filmes em dispositivos eletrônicos, ou que permaneçam no quarto dos pais.
Assim, temos que o diagnóstico da insônia na infância é eminentemente clínico, podendo-se lançar mão de exames laboratoriais, exames de imagem e exames específicos do sono, como a polissonografia e a actigrafia.
O tratamento se subdivide em tratamento medicamentoso e não medicamentoso, sendo este recomendado como escolha de início de tratamento, com psicoterapia cognitivo comportamental para insônia (TCC-I), com uma boa higiene do sono e horários regulares para dormir e acordar, com extinção gradual das associações negativas e construindo um ritual de sono onde os pais e responsáveis têm um papel crucial, por exemplo, fazendo uma oração, um beijo de boa noite ou uma história contada ou lida. Na falha do tratamento comportamental, pode-se lançar mão de medicamentos específicos e aplicáveis a cada caso.
Mas, eu fiz esse relato inicial primordialmente para contar uma das histórias que usei com minhas gêmeas caçulas, a Clara e a Sofia. Todo domingo à noite eu era o responsável por lhes pôr na cama a dormir e criamos a história do Coelho Chocolate e sua turma.
Emerson Malta Vilanova – Médico, cirurgião geral, com Pós Graduação em Sono pelo Instituto Israelita Albert Einstein – CRM 17450-PR