Uma história quase esquecida – Parte I

O ano era 1933 quando Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha. Friedrich Traumann, meu avô, na época com 57 anos, ouvia no rádio o discurso de posse do novo mandatário da nação germânica. Ao fim do discurso, Friedrich desligou o rádio e, com ar preocupado, comentou com minha avó Else: “Isso não vai acabar bem”.

Meu avô era o que se chama cristão novo. Era judeu de sangue, porém, professava a religião Luterana. Para os nazistas, já era motivo suficiente para enviá-lo a um campo de concentração.

Aos poucos, meus avós foram se organizando e se preparando para deixar o país e, em 1939, em um navio chamado Monte Pascoal, zarparam em uma viagem sem retorno, de mais de 30 dias, rumo ao desconhecido. Haviam comprado a distância 56 alqueires de terra em um vilarejo chamado Rolândia, do norte do Paraná.

Nesse vilarejo, já havia alguns alemães enviados pelo governo alemão para formar Colônias Alemãs no além-mar. Era um experimento do governo alemão. E havia também várias famílias alemãs que vieram fugidas da Alemanha, ou por motivos políticos ou por serem judias, ou ainda por não concordarem com o que estava acontecendo na Alemanha.

Meu avô era advogado e minha avó cantora lírica. Viviam em Düsseldorf e eram de classe média alta na Alemanha. Eram extremamente urbanos, nunca tinham plantado sequer um pé de alface. Imaginem chegarem a um país onde o clima era diferente, a língua diferente, os costumes diferentes, onde suas profissões de origem não lhes serviriam para nada e não conheciam ninguém.

Mas tiveram inestimável ajuda dos alemães que aqui já estavam e também de brasileiros contratados, e, aos poucos, foram derrubando a mata virgem com fogo e machado até que a terra se tornasse cultivável.

Os tempos eram difíceis. Muitas eram as dificuldades inerentes à época, ao lugar e às circunstâncias.

Uma das dificuldades sofridas pelos imigrantes foi a xenofobia. Quem presidia o Brasil na época era Getúlio Vargas, que era germanófilo, mas em 1943, por diversos fatores e, principalmente, por pressão dos Estados Unidos, mudou de lado. Com essa mudança, a população brasileira passou a hostilizar os imigrantes alemães. Foi baixada uma lei que proibia que se falasse alemão em locais públicos.

Minha avó me contou uma história muito comovente relacionada a essa proibição: um alemão, já não me lembro o nome dele, foi preso por falar alemão alto e em bom som pelas ruas de Rolândia. E de nada adiantavam os pedidos ao delegado para que liberasse o alemão. “Estava na lei que não se pode falar alemão em locais públicos, houve descumprimento da lei, e a pena era reclusão. Ponto final!”

Eis que o padre da cidadela, um italiano, pediu para entrar na cela para conversar com o alemão. Ao entrar, sentou-se ao lado do alemão e declarou que dali só sairia se fosse com o alemão. De início, o delegado ignorou a atitude do padre e não tomou providência. Mas a notícia se espalhou e as pessoas começaram a chegar em grande número na delegacia pedindo cada vez com mais veemência pela liberdade dos dois. E, antes que o imbróglio tomasse proporções incontroláveis, não restou outra saída ao delegado a não ser liberar o alemão.

O padre católico e o alemão judeu saíram juntos da prisão.

Infelizmente, também não lembro o nome desse padre, que deu de ombros para a nacionalidade, a política, o credo, para ser apenas um ser humano decente, corajoso e ajudar outro ser humano acuado.

Dr Jonathan Traumann – médico anestesiologista – CRM 8228-PR

(A segunda e última parte do artigo será publicada na próxima terça-feira, dia 3)